27 fevereiro 2009

Um dia normal...


Sexta-feira. O último dia da semana. Duma semana que até foi mais curta... só aturei as "pestes" durante dois dias...
Hoje pude-me dar ao privilégio de levantar tarde... é o que acontece quando só se vai dar aulas às cinco para o meio-dia!
No enorme percurso que demoro a fazer de casa para a escola, em Arouca - uns cinco minutos, mais coisa, menos coisa - começo logo a ter visões... vai uma pessoa descansada no passeio, ainda meia adormecida e tem logo encontros imediatos do terceiro grau. Então não é que encontro em sentido inverso metade da turma das "trambolhas" do Cafac - Curso de Assistente Familiar e de Apoio à Comunidade. Em vez de se dirigirem à minha pessoa ensonada com um simples e sempre bem "Bom dia"... não... sai logo ali no meio da rua com meio mundo a assistir... "Olá Stôooooooooor!!!! Eh lá, vai aí todo direitinho. Como é que consegue! Credo!"... vai outra... "Até parece um bispo!"... Pronto, fiquei logo traumatizado de manhãzinha, já não me bastando a turma de "trolhas" a que ia dar aulas.
Pareço um bispo! Eu... enfim! Já me disseram que tinha cara de seminarista... mas deve ser mesmo só isso. Ou será que me enganei na profissão? Nãaaa... essas coisas da religião não são comigo. Enfim, vá-se lá entender esta gente! Posso ter cara de bispo, mas já sou muito rodado... ou não!
Passado este episódio, que se cingiu somente a isso... um episódio sem trama... lá fui eu aturar os meus "trolhas" que até estavam relativamente calmos. Lá os mandei trabalhar. A tarefa consistia em construir um PowerPoint em que expusessem alguns dos seus gostos pessoais dentre alguns domínios da arte sugeridos por mim, a saber, pintura, escultura, literatura, música, arquitectura e cinema. Mais fácil que isto, só mandá-los apanhar bananas... Às tantas sai-me um...
"Ó stôr, mas eu nunca li nenhum livro!"...
"Ó rapaz, já deves ter lido alguma coisa.", contraponho eu.
(Ah, estou eu a falar de alunos do 11º ano, já grandinhos, até demais...)
Responde ele...
"Nada mesmo stôr."
"Nem o Harry Potter ou uns livros de Banda desenhada?"
"Ó stôr, de Banda Desenhada sim, mas só vejo as imagens! Isso conta?"
Sem paciência respondi... "Inventa!"
O que uma pessoa tem de aturar...
Depois da aula com os meus trolhitas, seguiu-se mais uma reunião chata de um outro curso, o tal Cafac. Não que o que se passou na reunião seja algo digno de contar nesta minha aventura blogueira, mas houve um facto digno de se relatar...
Ora, as alunas deste curso são casos muito especiais, mas tão especiais que nunca vo tanta parvoíce junta... Pelo que consta, a professora de Confecção de Refeições solicitou num teste de avaliação às ditas trambolhas, que fizessem uma ementa para o dia dos namorados. Perante isto, claro que toda a gente pensa numa coisa especial, num prato mais caprichado, entre outras mimalhices, quer se goste ou não do dito dia. Ora, inteligentes como aquelas personagens são, lembraram-se de pôr o quê na ementa... Ora imaginem lá?... Não, não vale a pena esforçarem-se tanto porque não conseguem... Eu digo... cá vai...
Sopa: Caldo Verde!!! (Podia ser pior)
Prato Principal: Bacalhau com pencas!!! (pencas cá para estes lados são couves)
E como é uma ementa e pêras para o dia dos namorados... ainda por cima copiaram umas pelas outras!!!
Valha-me a Senhora da Mó (cá em Arouca), até eu, que sou um nabo na cozinha, fazia melhor!!!
Enfim!!!
Resta-me disfrutar do descanso do fim-de-semana, com chuva (dizem... bahhhh), pois para a semana há mais!!!

24 fevereiro 2009

O Fluir das Águas

Inicio do Outono. Pairava no ar um cheiro a melancolia aguçado pelo odor estival de castanhas assadas com laivos de folhas caídas. As primeiras chuvas, turbulentas e ventosas, trouxeram um sem número de preocupaçoes aos habitantes da parte baixa da aldeia, que logo se viram forçados a abandonar os seus parcos recursos em virtude daquele metro de água que resolveu galgar as margens do rio e entrar, sem ser convidado, nas singelas habitações. A aldeia movia-se numa recuperação lenta de águas voltadas à margem.
Todos os anos a mesma coisa, o mesmo sentimento de perda e recuperação, os mesmos sofrimentos e cansaços, as mesmas preces e perdas de uma vida marcada pelo espírito de uma vida tatuada pelo tempo voraz, o tempo que devora os seus filhos amados.
Rui. A tudo isto era alheio o mais jovem habitante daquela envelhecida aldeia. Velha por dentro e por fora, suspirando numa morte anunciada, requerida pelos dias longos, pelas horas sinuosas, pelos minutos esquecidos, pelos segundos quebrados.
Como qualquer jovem de vinte e poucos anos, Rui procurava no mais íntimo de si uma razão para viver, para se sentir vivo, um motivo que o fizesse esquecer a perda inexplicável da sua metade, havia dois meses. Só, terrivelmente e incansavelmente só, o nosso protagonista debatia-se num vazio de sentimentos, por vezes perturbado pelos laivos de sol outonal que entravam pelos parcos vidros de uma janela dorida da idade. Já nada o prendia à terra, mas tambem nada o prendia ao céu, a esse céu onde pairam as imagens de um mundo que já foi e por força da natureza deixou de ser.
A vontade de partir em busca de si ocupava os longos dias daquele solitário jovem, na solidao da aldeia. Mas partir para aonde?... Era a questão que mais incomodava Rui. A ânsia de partir era esmagadora, mas a incerteza do além comprimia-o no seu refugio! Mais cedo ou mais tarde, Rui teria que tomar uma decisão, por mais custoso que fosse sair do seu casulo de dores entristecidas e sonhos alagados.
Passaram-se meses. Aos tempos outonais, sobrepuseram-se tardes gélidas, manhãs verdejantes... Até que chegou aquele dia... o dia decisivo... o dia da mudanca... o dia em que o mais jovem elemento da aldeia se veria a braços com a mais difícil e terrível de todas as provas a que se submete o ser humano...

- Quem sou eu?...